quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Les jambes en l'air

Les jambes en l'air
Comme une femme lubrique
Le vent mauvais de Verlaine
T'as transporté
Comme les fleurs
De Baudelaire
Mais je ne veux pas pleurer
Je ne veux pas parler
À peine un vent mauvais
Qui passait
Laisse le passer
Laisse le passer

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Adoleta

Adoleta
Eu com ele
Você sem ninguém
Adoleta 
Ele sem mim 
Eu sozinha  
Adoleta 
Quanto mais respiro 
mais me sinto quente
Adoleta 
Ele se foi
Adoleta 
Dela nada restou
Adoleta 
Eu com ele
Você sem ela
Adoleta 
Me conta uma mentira 
que termine assim
Adoleta 

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Mordida

Meus gestos quase me tocam e lembram a sua mão 
para chegar ao pão preciso passar por você
me viro assim incansável para enxergar seu rosto 
todos os dias no mesmo lugar
me perguntam se deixaria de te amar 
respondo que não
se deixaria de seguir pela mesma rua

respondo que nao
se deixaria de sonhar com você
respondo que não
a poesia abre passagem a cada mordida 

como o pão
respondo que não 

Balão

As estátuas se puseram a cantar 
Estão vivas por dentro da pedra 
A infância veio sorrir por dentro 
delas 
Brindou com abobrinha e escárnio 
A cena filmada parecia com cetim 
E depois estava viva numa 
gargalhada
Andava num burrico 
E tinha olhos de cobra 
Num jardim sem jardineiro 
Molha as plantas e acentua o mel 
Ri-se das abelhas 
Cuidado é um pote de melado 
Olha a pipa!
Espreitam o futuro 
Quando gente viva não for de pedra


Da lembrança do bebê na rede de balanço

Ela tinha família
E ele tinha chapéu
Um dia morreu a família
E o chapéu ficou
Obsoleto sobre a cama
Ela tinha família
Ele tinha o samba
Um dia morreu a família
E o samba ficou
Obsoleto no sangue
Ela jura que tinha família
Morreu a jura
Ficou a prece
Obsoleta

Menino Vermelho

Eu nunca mais soube
o que é te perder
Porque eu nunca mais tive
Aquele menino
Com o livro aberto
Aquele carinho invisível
De sonho
De pernas entrelaçadas
Quando respirávamos
o mesmo oxigênio
E sem querer nos amávamos
Sem ar

Claritin D

O fogo da língua no céu da boca
A dormência do nariz por fricção do dedo
Toda a dor de uma substância
retirada de circulação
Sanguínia e mercadológica
Incurável alergia dissociada

Da sua vida pós-baratinhas francesas



A mulher deixou de existir
Seu riso não parece mais que chora
Aquele arranjo que fazia com o cabelo
E todas as horas que prestava a cuidar de mim 

Hoje está cheia de si
E nem se demora mais numa ligação telefônica 

Hoje no diminutivo encontra-se o seu nome 
Numa revista ou página na internet
Mudou de quase tudo
E gosta de mim quase nada
Num reflexo no espelho
Ou numa foto de seios fartos
ainda estão as baratinhas
Mas ninguém sabe porque elas não morrem 

Resistentes que são
como a memória
que tenho delas 

Dinamite


Surpreende a alma com a palavra certa 
o corpo com a caricia exata
surpreende meus dias
com o eterno retorno

com a casa de papel que construiu nas montanhas 
com a coroa da papisa do conhecimento de mim 
detona o meu coração em dinamite
torna embargada a minha fala

trêmulas as minhas pernas
depois me diz
se valeu a pena. 

Poção mágica

Eu sangrei quando perdi meus pais
Sangrei quando perdi meu filho
Sangrei quando saí de casa pela primeira vez
Eu sangrei regularmente todos os meses
em períodos irregulares
Sangrei quando caí de bicicleta
Sangrei quando a beleza da lua estava excessiva 

Sangrei ao escrever poemas
Sangrei atrás de respostas
Sangrei quando te vi pela primeira vez, 

quando sorriu, quando me penetrou
Sangrei ao ver a guerra pela tv
sangrei por cada morte revoltante nas favelas
sangrei quando soube que era virgem
e também sangrei quando perdi a virgindade
sangrei quando fui deixada mais de uma vez
sangrei quando fui amada mais do que podia suportar 

sangrei ao ler Fernando Pessoa
também sangrei ao ler Rimbaud
sangrei em vida mais do que sangraria com qualquer morte 

meu sangue não estanca
meu sangue é fluido
seiva de árvore
circula pelas veias e capilares
as ruelas da minha geografia
é a minha poção mágica
meu dna 

Ausência no morro



Quando a tarde se põe no rio do meu peito
a dor que se escondeu por lá
todo aquele estremecimento pelo fim
se coloca no lugar da alegria de te ter de volta 

Você volta com suas palavras perfeitas
com o seu silêncio
com sua alma inteira
e me transborda novamente
a casa está como você deixou
não mexi em nada lá
ou em mim
o morro está em festa porque você voltou 

eles anunciam tangerinas nos finais de tarde 
eu deixo morrer a tarde
vou até a janela e me assombro
a queda é certa
o abismo é alto
a vertigem me toma
Estou sozinha
mas você voltou
e a noite soltam fogos de artifício
a noite me devora
a casa está vazia
mas você voltou
o morro está em festa
enfim
você voltou
minha alma sente que você voltou
naquela feira imensa
meu amor já não está
amor
só uma pergunta me assombra
por que diabos
você voltou? 

O último papel colorido

Aproveito todo o amor
da adolescência para dizer que te amo
homem do agora
Que fez brotar meus sonetos de 
suas partituras
Derramou o mundo aos meus pés
E insistiu que eu nadasse até  a outra 
minha margem
E depois deu a corda nos relógios
E insistiu que a vida levasse o tempo
Que tinha de levar
Dancei valsa em cima do baião
Tomei gim achando que era tônica
Você me enganou tão bem
Que descobri minhas verdades
Quando decoro um papel eu digo 
Que enfeito mais a vida de
desdobramentos
Que missão te amar nessa vida
Nesse papel tão recomendado 
Entro no mundo sem pudores 
Para dentro 
Como num fecho imaginário 
Guardada na memória que eu 
inventei 
de ter sua.  

Onde você está que não me ama?

Naquele sorriso tímido de junto ao espelho 
atrás da aresta do tempo
É preciso esquecer muito paquatrás
Onde eu pensava que era ave 
mais um réptil de junto ao aquário 
Sorriso escondido de existência rarefeita
É preciso esquecer paquatrás 
O doce é apenas o segredo das mãos 
O salgado o sorriso desfeito 
O azedo o antibiótico 
É preciso esquecer muito paquatrás
O beijo do bisavô nunca dado 
O som do instrumento guardado 
Reconstituição 
É preciso revés 
Para comer casadinho da esquina 
E achar genial 
É preciso esquecer muito paquatrás
E sentindo deixar ser 
O que fosse antes 
Nunca mais

O zelador

O evento já está pronto há muito tempo
pessoas sentadas, algumas de pé 
se levantam e sentam novamente 
Algumas falam, eu escuto
Depois ficam enérgicas com os sentimentos que se criam
nuances
O evento está pronto e eu não fui
me deixei em casa de propósito 
como a boneca que fica em casa sem a criança 
Estou largada por um
deixada por outro 
por fim esquecida 
Sou eu a própria boneca no quarto decadente 
bochechas brancas presa por fios à existência. 
Uma criança abastada esqueceu ela sentada 
sem risos ou lágrimas ficou
uma criança pobre não sabia brincar com ela cujo mistério
estava em retirar a costura que prendia suas roupas 
ao corpo 
depois procurar outro vestido  
Sou a boneca esquecida pelo fantasma. 
Um filme de terror que não foi visto
o horror. 
Existem coisas que fazem escrever 
existem coisas que matam o amor 
o amor não morre 
é de vida que se vive e da escrita 
Pego o meu coração nas mãos 
o aperto para que seja esmagado
apenas uma sílaba emitida 
não vivo de dor, vivo de saudade 
Estou no mesmo lugar onde morava 
o mais plebeu dos homens 
a engrenagem da boneca
 foi pra fábrica de brinquedos.
 Cobriu seu corpo de bandeiras 
em plena guerra
seu sangue explodiu onde doía e
 retornou ao coração. 
Agora é tarde, 
retiraram todos os objetos da mulher que brincava 
nos porões do prédio
só a boneca ficou lá sentada, 
azul
sem engrenagens, sem função

Acendedor de lampião

Para onde você olha é um perigo a mais para correr
teus devaneios e distração
Teus pecados conheço todos
morre-se daquilo e daquilo outro
Quantas pequenas mortes vais escolher
a vida se absorve de dentro do aquário
em forma de peixes 
como o escafandro que esqueceu de ligar as bombas
Mas não morreu, sobrevive no peixe que come com as duas mãos
Ou na ostra que abre e escancara a vida como se morte fosse  
desarma a morte como se fosse vida. 
É um susto as cores roubadas do entardecer
se desprenderam. Cuidado! 
É a sopa de vida, de morte, diária 
Um trabalho eu não sei, me vejo ali tão recolhida
mas 
tenho que colocar o dia em todas as manhãs
um anjo, se der a chance de escolher as palavras certas
Estou ali recolhida como o fogo que se recolhe no movimento cego das mãos no isqueiro
no botão de gás 
na temperatura que o fogo deixa como um rastro de vida rupestre 
Aquele homem que acendeu com seus gravetos 
o primeiro fogo 
também apagou um pouco do sol
Aquele ruído doce da flauta que tocava a vida 
era um livro onde uma Brigitte esperava um barqueiro 
agora é tarde 
Tenho os mapas nas mãos
a única verdade onde habitas é que a distração 
mata as coisas 
bem mortas elas não podem olhar a si próprias 
Então as coisas vivas olham uma criança que chora?
As coisas vivas olham uma criança que chora.
inventa um pescador, que recolha a ostra do mar 
que não abra com assombro a ostra que abre em gesto de vida 
nem dê um grito pela ostra que chora
a flauta toca a despedida
Cuidado é a sopa, sopra o vegetal
a sopa está viva não era o mingau
O homem risca o fósforo e o fogo se extingue
apagou-se 
o mundo foi morto muitas vezes 
nesse dia 
Que susto, era só tocar a campainha 
Não estou, responde uma mulher muito grossa 
eu digo a ela 
Eu também não estou
E as duas não brigam porque apagou-se o sol

A prensa

Uma resposta, dois vocábulos, um bocado de alegria
toda a força da física contida em apenas dois vocábulos  
ainda se fala em falta de esperanças
A resposta de ontem foi dura:  
-Não posso me submeter ao seu fogo - é certo.
Imunes da desgraça lamacenta
a rua é redefinida para uma pintura 
são necessários dois vocábulos. 
Tinha certeza que sim, que 
se a rua está lamacenta serão necessários pés descalços
uma charrete, casco de cavalo
Amanheceu 
inevitavelmente o sol subiu todas as cores para o topo do universo
esmaecido no quadro da sala, já quase sem cor 
Eu sabia
no pretérito é um passado a mais
 O sol vai arruinar essa casa
era tarde demais 
para a elaboração de um processo criativo 
que relativasse o seu sim e o seu não 
derivando para a construção gramatical 
desses dois vocábulos
Acendeu-se o dia, quebrada a cúpula mas não a lâmpada
E entenda-se por medo a proximidade que as palavras tem uma das outras
Lê-se outra coisa, quando queria ter lido aquilo 
não outra coisa, mas o que ficou lido, foi
 Dois vocábulos por dia é o que preciso 
para galopar as montanhas, os pés de lama 
as pernas tesas 
comer mato e atravessar a lama te carregando no centro do sol. 
Se eu decompor as rimas, esgarço a malha do teu destino
dissolva num café preto tomado pela manhã 
a olhar o quadro já quase sem cor
Antes da solução de café havia o fogo incontinente
queima os grãos com as próprias mãos 
pensa no que vai ler

Maudição

Digerir o seu lixo com a placidez e o reconforto de um anjo.
sinto nunca poder dizer adeus
tenho as palavras malditas na ponta da língua
estou pronta a dizê-las , a qualquer momento:
Tenho pregas da sua auto ajuda 
e a sua alta costura me leva a polidez
Tenho jeito de roupa e cara de compra
nesse mundo burguês
Fui escolhida na esquina de uma base ao topo 
reconstruo tudo como se fosse um esboço
negocie uma troca, reclamação, arguição 
coloque métrica nesse sentido ilusório
Sofro que rio, sofro que minto, sofro que sofro 
sou brasileira 
sou africana 
soul

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Babados



Adoro babados 
porque babados não são tecidos cortados inteiros para frenesi 
não são peças monumentais 
Babados contam histórias 
floreiam
são cerzimento
cosimento
são outro tipo de assunto

A segunda, a terceira batida na porta

Meu coração tá batendo 
muito forte 
Acho que é a vida que me assombra 
de dentro do escombro 
Ou um anjo que olha 
de olhos gelados
Alma vidrada 
Ou um caco que sorri de fora
da garrafa 
quebrada 
Ou será apenas uma solidão 
que não se assusta por mais nada
Meu coração é as vezes um corriqueiro 
porque sabe que se refaz 
daquilo que se desfez 
e teima

A menina do meu pai


Lá bem longe 
de onde me fica difícil lembrar 
Veio meu pai que me pega pela mão 
E quanta mão cabe no meu pai 
É por isso que me lembro dele 
em perfeito estado 
como carta jamais postada 
Me lembro do meu pai 
e vejo a mim 
esfumaçada 
na cozinha 
massa coesa nas mãos 
Me lembro do meu pai 
e me esqueço no peso da lágrima 
com a leveza da lembrança 
Me esqueço de mim 
e do meu pai 
Os dois tão sós 
tão marcados em figura de passado 
Eu menina brinco de verdades 
nos jardins de meu pai 
Eu adulta ensaio mentiras 
no quintal de meu pai 
A menina de meu pai 
A miúda de meu pai 
O cavalo de meu pai 
Em minhas lembranças agigantado 
Saudade dele mesmo que em despedida breve 
Saudade é eterna para quem espera 
Com desespero estico a massa 
Sem dó do meu pai ou de mim 
Para o forno 
pelas nossas mãos

A terra de Antares

Magmas milhares pertencem à cor vermelha de Antares
Outras constelações azuis, algumas cinza
Outras nem cor tem
São furta cores
fruta amores
furta amores
flertes, focas, faringes
coloridas
Magmas milhares pertencem à cor vermelha de Antares
Outras não, nem sempre perto
Amores ilusão
feridas, espelho
Ela não veio em mais uma quimera
Agora sou
Já não mesmo eu
Nem mesmo estou
Hoje não vim
Magmas milhares pertencem à cor vermelha de Antares
Outros vêm, outros vão,
porém escorrem os magmas
colorido, colibri, calibres
Armação de estrelas
Pensei:
Pelo menos tudo
(Paralelepípedo, desordem
As vezes cinza )
que ela sorriu