Lá bem longe
de onde me fica difícil lembrar
Veio meu pai que me pega pela mão
E quanta mão cabe no meu pai
É por isso que me lembro dele
em perfeito estado
como carta jamais postada
Me lembro do meu pai
e vejo a mim
esfumaçada
na cozinha
massa coesa nas mãos
Me lembro do meu pai
e me esqueço no peso da lágrima
com a leveza da lembrança
Me esqueço de mim
e do meu pai
Os dois tão sós
tão marcados em figura de passado
Eu menina brinco de verdades
nos jardins de meu pai
Eu adulta ensaio mentiras
no quintal de meu pai
A menina de meu pai
A miúda de meu pai
O cavalo de meu pai
Em minhas lembranças agigantado
Saudade dele mesmo que em despedida breve
Saudade é eterna para quem espera
Com desespero estico a massa
Sem dó do meu pai ou de mim
Para o forno
pelas nossas mãos
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